quarta-feira, 1 de junho de 2011

Sobre a vida e liturgia (II)


Pe. Reginaldo Veloso





Três historinhas em torno de um mesmo tema



2. A Liturgia de Isabel...

Na entrada da Rua Lucélia, passada a pontezinha sobre o canal, por onde escorre toda a imundície do Córrego do Euclides, há um correr de quartos, cada qual com porta e janela voltadas para o sol nascente. Não conto as vezes que, indo ou vindo, passei em frente ao quarto onde morava uma velhinha de pixaim encanecido e rostinho encriquilhado, feito maracujá de gaveta, a quem dava as horas e ouvia em troca um “bom dia” ou “boa tarde” de uma voz alquebrada e doce.

Outro dia, fui procurado por uma comadre minha para fazer a “encomendação” de Isabel... Era a velhinha da entrada da Rua Lucélia que havia falecido. Nunca gostei de fazer rezas apenas formais, “para cumprir tabela”. Por isso, tive o cuidado de perguntar à minha comadre o que ela sabia sobre Isabel... Aquela velhinha que eu tantas vezes saudara ao longo de anos de passar pela entrada da Rua Lucélia era uma viúva que ali vivia há muitos anos, viera do interior e recebera de um filho falecido, ainda jovem, a “herança” de uma ruma de netos para criar... Criou-os todos botando água de ganho... Mas como se não bastasse, seu barraco era o abrigo de quem não tinha onde ficar, quando vinha do interior para tratar-se no Recife... Isabel socorria, do jeito que podia, toda pessoa que dela precisasse e a ela acorresse em busca de ajuda... “Um pessoa que não era de religião, não era de igreja, mas fez caridade a muita gente”, concluía minha comadre.

Próximo à hora do enterro, cheguei para fazer a encomendação. Mal dava para entrar na salinha apertada, onde, em volta do caixão coberto de flores, estavam as poucas pessoas que cabiam, amigos e familiares, os quatro castiçais, dois de cada lado e, encimando a cabeça da defunta, a imagem do Crucificado. Cantamos o Salmo 23, o salmo do Deus Pastor, li o Evangelho da Oferta da Viúva e, em seguida, senti-me muito à vontade, mesmo sem ser papa, para canonizar Isabel: estávamos ali diante de uma vida que subia para Deus com o aroma suave daquelas flores e o brilho e a fumaça daquelas velas, como agradável oferta para Deus. Ali estava o franzino corpo de uma mulher curtido pela dureza da vida e a totalidade da entrega a serviço de quem dela precisou. Um ser feito de amor, como o Cristo representado por aquela cruz. Em suma, uma santa. Santa Izabel do Córrego do Euclides!

"Em verdade vos digo: esta viúva pobre deu mais do que todos os outros que depositaram no cofre. Pois todos eles deram do que tinham de sobra, ao passo que ela, da sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha para viver" Mc 12,43-44.


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