sábado, 7 de setembro de 2013

E a Câmara de Moreno virou Igreja. Aleluia!





Sábado, 7 de setembro. Feriado nacional. Apesar do slogan “o gigante acordou”, muita gente hoje se esqueceu das lutas populares travadas em junho e preferiu ficar deitada em berço esplêndido. Acordei-me cedo, ainda animado pela exibição na noite anterior do filme "Faço de Mim o que Quero", na praça principal do centro de Jaboatão. Atualizei a fan page do Cineclube Moscouzinho e em seguida preparei-me para participar do Grito dos Excluídos, em Recife. 

Essa história de desfile cívico não me cativa mais. Na maioria das vezes as manifestações, inclusive as escolares, soam como resquícios ideológicos da última ditadura civil-militar. No caminho até a parada de ônibus, a surpresa do dia: na Câmara de Vereadores do Moreno, um “Culto Cívico” promovido pelas igrejas evangélicas locais. Motivado por essa surpresa e por valorizar a democracia e a diversidade religiosa é que, infelizmente, perderei precioso tempo deste feriado escrevendo obviedades. 

Antes de tecer minhas críticas, adianto para as pessoas fundamentalistas que as lerão, que, não sou contrário às religiões nem às suas manifestações. Apesar de não mais me considerar uma pessoa religiosa, atualmente integro uma comunidade religiosa ligada à Igreja Episcopal Anglicana, Diocese Anglicana do Recife situada no bairro de Santo Aleixo, Jaboatão. No Ponto Missionário da Liberdade há isso: Liberdade. Lá,  prioriza-se as pessoas reais e se faz a opção cristã por quem está à margem, nesse caso, gays, lésbicas, pessoas sem-teto e sem-terra, o resgate e valorização das comunidades nativas quilombolas e indígenas e se dá uma atenção especial ao serviço diaconal e social da Igreja. E preza-se por manter relações humanas amorosas, atendendo aos conselhos das melhores tradições espirituais – que podemos resumir em uma palavra ambígua, polissêmica, mas universal: o amor. Lá, seu rótulo religioso, ou não, sequer interessa ao bispo. Diga-se de passagem, um homem que conviveu e se inspira nas palavras e gestos do saudoso Dom Hélder Câmara. Foi lá que na semana passada iniciamos, pessoas ateias, espiritualistas e religiosas, um grupo de estudos sobre "Fé e Política" com foco na leitura hermenêutica e crítica da Bíblia. 

Pois bem, partindo do pressuposto que não sou um “comunista ateu comedor de criancinhas”, volto à imagem do Culto Cívico realizado hoje pela manhã na sede do Poder Legislativo morenense e à minha crítica, perguntando: 1) acaso o parlamento desta cidade se esquecem que há mais de um século o Estado brasileiro desvinculou-se oficialmente da Igreja Católica Apostólica Romana - sua mentora colonial tão criticada hoje pela ala reformista protestante - e que a Constituição Federal de 1988 ratificou o laicismo do mesmo? Parece-me que há aí um caso de amnésia política coletiva. 

As pessoas lúcidas e independentes em Moreno sabem que o nível político e técnico da atual legislatura local é lastimável, haja vista, entre outros, o tragicômico e já folclórico episódio do Projeto remetido pelo Poder Executivo e aprovado pelo Poder Legislativo em que o município virtualmente “ganhou” um trecho de orla marítima. 

No folder distribuído por quem organizou o evento há um texto de autoria do Revdo. Roberval Góis que sutilmente desconsidera nossa Carta Magna a ponto de só faltar propor a convocação de uma nova constituinte não para a esperada reforma política, mas para reinstalar o regime teocrático entre nós, portanto, o Estado Totalitário de face religiosa. Reproduzo esse texto aqui na íntegra: “A concepção evangélica acerca do Estado e da sociedade tem como ponto de partida o pensamento dos reformadores do século XVI, com especial destaque para os ensinamentos de João Calvino, mas também articulada por outros líderes e teólogos reformados, como Ulrico Zuínglio, Henrique Bullinger, Jonh Knox, Abraham Kuyper e Karl Barth, entre outros, bem como pelos documentos confessionais da fé reformada (confissões de fé e catecismos). Em seus escritos, Calvino disse muitas coisas importantes a respeito do Estado, da sociedade e dos problemas sociais, sempre sobre a ótica do pastor e do teólogo estudioso das Escrituras. Por isso, não se deve dissociar o seu pensamento social e econômico de sua reflexão teológica. Esse pensamento resultou e seus pressupostos teológicos e bíblicos, dentre os quais as convicções de que Cristo é Senhor de todos os aspectos da existência humana e de que a Palavra de Deus contém princípios que devem reger todas as áreas da vida. Dessas duas premissas fundamentais – a soberania de Deus sobre toda a vida e a centralidade das Escrituras como revelação de Deus – decorre todo o pensamento teológico de Calvino, inclusive as suas concepções sobre a ordem política e a ordem social. Por outro lado, não se deve esquecer que Calvino era um homem do seu tempo e que vários aspectos da sua reflexão foram condicionados pelas realidades políticas e sociais de sua época. O mais importante é o fato de que, desde os seus primórdios, a tradição reformada entendeu que a fé bíblica tem importantes implicações não só para o indivíduo, mas para a coletividade, a começar da vida política e da relação entre a Igreja e o Estado. A grande pergunta é a seguinte: Qual a nossa postura? Qual a nossa atitude? O que temos feito para resgatar [leia-se IMPOR] a visão cristã da responsabilidade da Igreja com o Estado? Um forte abraço e fica com Deus. Saia da lama do lamento, vá para o céu, aprenda a voar.” Preocupante... 

Não bastasse a proposital confusão entre público e privado manifesta num culto realizado na Câmara de Vereadores, inclusive com a presença do prefeito do município, Adilson Gomes Filho; não bastasse a fixação de um crucifixo em espaço destacado no prédio; não bastassem as regimentais orações cristãs realizadas no início e no término das sessões legislativas, travestido de civismo e patriotismo, o saudosismo/anseio por um Estado Teocrático; 2) pergunto-me se haveria a mesma disposição do presidente-pastor da Casa, o vereador cristão Adimilson Barbosa, em promover democraticamente todas as cerca de 10.000 religiões catalogadas por pesquisadores da área até 2012. Aliás, pergunto-me – se a resposta fosse afirmativa – se isso seria possível, desejável e regimental e constitucionalmente legal, visto que a prerrogativa do Poder Legislativo é, justamente, criar leis e fiscalizar sua execução, dentro, repito, dos limites da democracia que é, de longe, o regime político menos injusto e excludente que as sociedades inventaram e tentam implementar, à despeito da falácia estadunidense, por exemplo; 3) pergunto-me ainda a quem recorrer no município para cobrar o cumprimento da Constituição Federal num município em que prefeito, vereadoras e vereadores fazem do público privado, amparados pela hegemonia de tendências cristãs que se arrogam representar a Vontade Absoluta, à revelia de importantes avanços nas pesquisas antropológicas, sociológicas, filosóficas e até mesmo as teológicas honestas que constatam a pluralidade e a diversidade como condições humanas universais, portanto, fartamente repetidas no tempo e no espaço da humanidade. 

Novamente: não tenho nada contra as religiões, mas tenho contra a escalada de tendências autoritárias e totalitárias conservadoras camufladas de religião e lideradas por assanhados e desequilibrados mas astutos pastores falaciosos e equivocados que estão distorcendo os espaços públicos, seja parlamentos, praças, escolas ou meios de comunicação. A composição atual da Câmara de Vereadores do Moreno, repito, é politicamente pobre, conivente e subserviente ao apadrinhado do governador-ditador pernambucano, Eduardo Campos. 

Não espero que essas pessoas que exercem o mandato parlamentar como um direito pessoal adquirido se sensibilizem nem se constranjam com estas críticas. Ao contrário, espero uma enxurrada de defesas proselitistas. Mas apelo à(o) bom senso de quem me lê: haverá um retrocesso maior se a parcela esclarecida da população morenense não se der conta a tempo do valor de um Estado democrático, republicano e laico que temos pelo menos no papel. 

Todo o direito à livre manifestação religiosa, desde que se garanta o mesmo direito às outras religiões, não se confunda o público com o privado e se observe a Constituição Federal vigente.

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