domingo, 16 de junho de 2013

NÃO SÃO 20 CENTAVOS



Não são apenas 20 centavos. Pensar isso é ingenuidade. É preciso outro olhar que nos leve a perceber o vinculo que há entre o que ocorre nas ruas de São Paulo e o desabafo histórico dessa geração. Não se produz tamanha revolta e mobilização sem um acumulo deliberado de frustração, descrença e raiva. A cada ano eleitoral, promessas e mais promessas de melhoria de vida, redução das desigualdades, acesso efetivo aos bens básicos da vida. Findada a eleição as promessas são esquecidas e substituídas por acordos políticos espúrios, alianças inimagináveis, conchavos, fisiologismo que levam em conta os interesses políticos pessoas e trata com descaso a voz e a vontade real do povo brasileiro, em nome de quem o poder político deveria ser exercido. Abaixo assinados, manifestações no congresso, mobilização nas redes sociais, tudo tratado pelos donos do poder como arroubos da juventude, como chegou a declarar o Senador Renan Calheiros diante da indignação nacional com a sua eleição para a presidência de senado. 

Entra ano e sai ano e as condições do transporte público no Brasil são cada vez piores. Do clamor da sociedade que se ignora continuamente para a explosão de um enfrentamento como o que estamos vendo em São Paulo bastam 5 centavos, não importa. Vejo em tudo isso, sobretudo um grito de inconformismo. O bradar de vozes que querem lutar pelo que é justo e pelo seu direito de sonhar com um Brasil diferente. E pelo direito de serem ouvidos. O grito das ruas de São Paulo ecoa um alerta da sociedade brasileira que é dia a dia esmagada por esse modelo social que reproduz o pior do individualismo, do consumismo , da competitividade, sem espaço para solidariedade. Esse grito é um “ouçam o que nós temos a dizer.” 

Sinto-me feliz em ver esses jovens nas ruas, lutando por algo mais além do ingresso da festa, do jeans novo e do iphone 5. O discurso conservador e repressivo que os condena e a truculência policial sob o apanágio do manto estatal apenas nos alerta para quão grave é a herança do autoritarismo, intolerância, conservadorismo que ainda há no nosso Estado Democrático de Direito. Fico feliz de ver esses jovens nas ruas, lembrando a cada um de nós que devemos despertar da mediocridade, da indolência, do conformismo e da omissão. E lembrando ao Estado que os ideais, os protestos, os sonhos não são e nunca foram derrubados à base de cassetetes e pedradas, mas ao contrário, foram molas propulsoras das grandes conquistas democráticas e libertárias da humanidade. 

Não são 20 centavos. É só grito que traduz o “chega, estamos cansados de ser ignorados”. Aos que fazem o Movimento Passe Livre tenho a dizer: Estamos juntos. Estou aqui no Recife, mas também estou cansada. E porque há o direito ao grito, então eu também grito.



*Roberta é Juíza Federal do Trabalho, TRT 6ª Região, doutora em Direito Público pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Pernambuco, membro da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Diocese Anglicana do Recife, Catedral Anglicana da Santíssima Trindade. 

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