quarta-feira, 5 de maio de 2010

Leitura Bíblica e Futebol no Alto da Sé em Olinda
Encontro de Formação da Visão Mundial*
Por Torquato Silva
Foto Reinaldo Almeida

Olinda, Alto da Sé. Em Pernambuco há vários lugares inspiradores. Mas esse, em especial, tem várias fontes de água bem limpinha e doce. Pois bem, aqui ao lado do Convento da Conceição onde esta reunida gente de vários estados brasileiros, de ONGs, de Movimentos Sociais e Igrejas, viveu irmã Visitatio e, durante muito tempo, residiu irmã Dietlind Mathilde, ambas as irmãs beneditinas missionárias. A primeira, catequista de mão e vida cheia, a segunda, pesquisadora bíblica. As duas caminhantes na mística do CEBI. Lembro da irmã Visitatio falando expressivamente do seu “Datachão” e nos fazendo rir com sua modernidade tecnológica, quando fazia o chão das suas palestras. Lembro, também, a primeira vez que encontrei irmã Dietlind. Quando a conheci estava à espera de um transplante de córnea. Com dificuldades para enxergar lia com uma lupa. Lia livros e escrevia seus textos com uma lupa na mão. Um detalhe importante, a irmã Visitatio, também com problemas de visão, não podendo mais ler por causa de catarata, pedia para suas irmãs companheiras e também outras pessoas amigas lerem para ela todos os dias. A primeira já viveu sua Páscoa. A outra, hoje, vive na Alemanha. Não podia começar este texto sem citar essas duas mulheres. Aqui nos reunimos para estudar a Leitura Popular e Comunitária da Bíblia e como ler a Palavra e dela extrair elementos animadores para a vida. A abordagem que teremos durante esse tempo tem a ver com visão e leitura.
Nossa caminhada é tão mística, tão orante quanto esse lugar onde nos encontramos. A cidade é carnavalesca, cheia de cores e poesia. Aqui pessoas jovens, homens e mulheres, se reúnem para ler a Bíblia. Por isso, começamos dançando e cantando “ALELUIA! ALELUIA! VAMOS CANTAR, DANÇAR, GRITAR, LUTAR! QUE É PRA GLÓRIA DE DEUS BRILHAR” e isso se funde com “Olinda! Quero cantar a ti esta canção. Teus coqueirais, o teu sol, o teu mar. Faz vibrar meu coração, de amor a sonhar. Em Olinda sem igual...SALVE O TEU CARNAVAL!!!”. Ora, de vários lugares do Brasil veio gente para descobrir como a Bíblia pode ser lida, um novo jeito de caminhar com essa leitura, de orar com esse texto Sagrado. E isso com o recheio suave da contemplação. A vista de qualquer ângulo é extraordinária. Há verde e azul por toda parte, há árvores e mar em toda janela. O que marca a experiência e proporciona o espaço de uma leitura popular da Bíblia é a “fé” e a “vida”. Sem esses dois elementos poderemos fazer qualquer outro tipo de leitura do texto, menos uma leitura popular. Há quem diga que a Bíblia é um livro feito de sangue, suor, lágrima e alegria. A Bíblia surge da vida do povo, da comunidade, e é em comunidade que devemos beber desta fonte. Bem falou Frei Carlos Mesters em um texto que escreveu e colocou o nome: “Bíblia: Livro Feito em Mutirão”. A motivação de uma leitura popular da Bíblia é compreender o texto a partir da vida e a vida a partir do texto. Estamos em reunião para tomar consciência de que a leitura é sempre um ato interessado, militante, político. E que busca, na prática, uma reflexão coletiva e amadurecida a partir da leitura comum. Mas não única, estática, imutável. Porque quem escreve o texto não o conclui. Haverá sempre o contexto de quem escreve e de quem ler. E cada pessoa que ler o texto acrescentará seu olhar e suas palavras dando sempre continuidade ao mesmo. De maneira que fica infinito. Nenhum texto termina em si, haverá sempre corações, olhares e mentes para continuá-lo. Nessa inspiração temos também a presença de Milton Schwantes, pastor luterano e biblista. Milton, como tão carinhosa e intimamente é chamada, é quase uma personagem bíblica e mítica entre nós. Uma personagem que em vários lugares do Brasil, nesse exato momento que este texto é lido, há várias pessoas citando alguma história dele ou lendo algo que escreveu. Ele também, como irmã Visitatio e Dietlind, está com dificuldade para enxergar. Antes de vê-lo e conhecê-lo, ouve-se muito dele. E antes de apertar-lhe a mão, ouvimos sua grave e mansa, suave e impactante voz ecoar pelos corredores do convento. Com seu andar cansado, com as pernas trôpegas, mas sempre com um sorriso nos lábios e olhinhos puxados por trás dos óculos, chega de mansinho e vai falando com toda gente, olhando nos olhos, dizendo: “Olá, como vai? Acabei de chegar! Mas, teremos tempo pra conversar e nos conhecer!”. Frágil, vulnerável, com a saúde bem debilitada, carregava seu próprio corpo sobre seus pés cansados. Disseram que ele fez uma cirurgia muito séria na cabeça para retirada de um tumor no cérebro e que quando retornou para casa correu logo para pegar um livro que falava da Bíblia pra ver se conseguia ler. Sua espiritualidade inspira também como essa cidade linda. Dom Sebastião Armando, reencontrando o amigo de caminhada Bíblica sorri e, visivelmente, mostra sua satisfação de assessorar um encontro conjuntamente com o Milton Schwantes amigo pessoal de longas datas. Dois bíblistas, dois irmãos, dois caminheiros na formação da Leitura Popular e Comunitária da Bíblia. O Bispo, então, caminha na construção da leitura bíblica em dois momentos. Um, motivado pela leitura do texto de Emaus (Lc. 24. 13-35), dividindo o grupo para leitura e reflexão. No Caminho, conversando e relembrando a vida, os olhos do casal que caminha para se distanciar de Jerusalém são abertos. Voltando para casa encontra um desconhecido que toca profundamente o coração. Os olhos são abertos ao partir do pão. E outro momento, explanando, a partir do diálogo com o grupo, a melhor forma de se fazer a leitura da bíblia. Os desafios, os problemas que motivam a leitura mais consciente da Bíblia. Uma leitura que coloca a gente no lugar certo para provocar mudança de consciência e prática.
Agora, já imaginou irmã Visitatio, Dietlind e Odja falando sobre futebol? Sobre o jogo do Santa Cruz e Nautico nos Aflitos? Pastora Odja, da Igreja Batista em Pinheiros, Maceió-AL, disse que no campo de futebol as mulheres, há não mais do que 50 anos, estão começando a tomar e ocupar espaço. Também no lugar da Bíblia isso é bem recente. Na Bíblia, como também no futebol, dizia Odja, a mulher sempre teve o lugar da torcida que vai assistir ao jogo no campo do adversário, que entra por uma porta separada por trás do campo, e que tem o menor espaço na arquibancada, e que no final, só pode sair depois que todos os torcedores do time local já tiverem saído. E claro, tudo isso sob o olhar atento de um policiamento masculinista e autoritário. Na assessoria, por exemplo, com todo respeito aos nossos mestres, Dom Sebastião e Milton, o jogo já está em 2 a 1. Ou melhor, uma. Por isso, a presença da irmã Visitatio e Dietlind para equilibrar o placar. Isso, mesmo sabendo da delicadeza, do encanto desses dois homens, essencialmente, tão femininos.

Dom Sebastião e Milton Schwantes

Pro fim, como é Brasil, cá estamos nós conversando sobre Futebol e Religião. Mais precisamente sobre Leitura Bíblica no alto da Sé em Olinda. Ah, e as irmãs Visitatio e Dietlind? Mesmo com suas dificuldades visuais enxergam tanto e tão longe que até hoje nos inspiram a fazer sempre mais gols na formação da nossa gente querida e sofrida a partir da Leitura Popular e Comunitária da Bíblia.
*Texto escrito por ocasião do Seminário da Visão Mundial sobre Leitura Popular e Comunitária da Bíblia, ocorrido em Olinda-PE, nos das 28 à 30 de Abril de 2010.
Album de fotos do encontro:


28/04/2010

3 comentários:

  1. "Porque quem escreve o texto não o conclui.
    Haverá sempre o contexto de quem escreve e de quem lê." Bastante interessante esta frase. Também se lê nas entrelinhas.

    Ainda outro dia ouvi alguém falar, mais ou menos assim: "Cada pessoa que lê a Bíblia entende à sua maneira, dá sua interpretação pessoal, particular. E pensando bem... é assim mesmo!

    Agora, a sua descrição do local com fontes de água bem limpinha e doce está me parecendo o Paraíso. (rsrsrs)

    Um abraço
    Walkiria

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  2. Pois é, dona Walkiria,

    a gente fica imaginando que o texto é de propriedade do autor... ou autora... mas, num é não... passa apenas pela gente... e vai simbora... vai pro outro mundo que é o coração e a mente de quem lê.

    Afinal, é quase uma psicografia...rsrsrs....

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  3. ... De fato, às vezes leio coisas que escrevi há algum tempo atrás e tenho a impressão de que não fui eu quem escreveu.
    É como se durante o exercício da escrita a gente resgatasse idéias que não estão no campo do consciente, ou talvez que nem estejam dentro de nós mesmos, uma verdadeira psicografia.

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