quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Mensagem de Natal do nosso querido Monge Marcelo Barros


Monge Marcelo Barros*

“Hoje saberemos que a salvação virá à terra e amanhã será destruída a iniqüidade do mundo” (verso da véspera de Natal).

Camaragibe, 17 de dezembro de 2010

Queridos irmãos e irmãs,  

Este refrão, adaptado de uma passagem do livro do cap 13 do Êxodo, é retomado pelas celebrações do 24 de dezembro. Desde que, aos 18 anos, entrei no mosteiro de Olinda para ser monge beneditino, esta palavra me toca muito porque, ao mesmo tempo que parece muito irreal, eu quero que ela seja plenamente verdade e aposto nisso.

De fato, ninguém que celebra este Natal de 2010 espera transformações tão profundas e radicais no mundo. Muitos cristãos e pastores fazem esta festa como se tratasse apenas de uma recordação do nascimento de Jesus em Belém. É verdade que algumas Igrejas orientais ainda chamam a festa do Natal de “Teofania”, ou seja, “manifestação de Deus”, mas, de fato, Igrejas e mundo parecem convergir para fazer do Natal apenas mais um costume piedoso e na ordem dos sentimentos.
Vários pais e mães da Igreja antiga ensinavam: “A Palavra divina se tornou humana para fazer de nós pessoas divinizadas”. A celebração da manifestação de Jesus em nossa humanidade deveria ir além da adoração ao Menino para nos comprometer com a transformação do nosso ser interior e de toda a humanidade. É claro que isso não acontecerá magicamente ou de repente. Também não se dará através de um mero rito religioso, por mais belo ou profundo que possa ser.
Na noite de Natal, as Igrejas escutam o evangelho que conta a viagem de José e Maria a Belém e a vinda dos pastores para adorar o menino que nasceu em uma estrebaria (Lc 2). Na celebração do dia do Natal, as comunidades cristãs meditam o início do quarto evangelho. Como toda história, esta também começa “no princípio”. O evangelho confirma que na raiz de tudo o que existe, podemos descobrir um recado divino. Esta Palavra é uma comunicação amorosa que dá sentido à terra, às águas, ao ar e a tudo o que existe. “Esta comunicação é a própria luz da vida”. E ela se fez carne, isto é, se tornou pessoa humana (Cf. Jo 1, 14).
Acabei de ler uma tese de Teologia Índia de um companheiro do México que fala da “Festa da Palavra” entre os índios tzeltales. Os avós contam as antigas palavras, os mais jovens escrevem estes relatos. Lêem diante dos mais velhos para garantir que foram fiéis ao sentido mais profundo e depois os proclamam a toda a comunidade na “festa da Palavra”. O Natal é nossa festa da Palavra que assume a condição humana no que ela tem de frágil e inconsistente. Hoje está provado que o ser humano tem praticamente o mesmo DNA de outros mamíferos. Faz parte de um organismo maior: “a comunidade da vida”. Assim sendo, no Natal, a Palavra divina se manifesta em tudo o que é vivo para transformar o universo e irradiar paz e convivialidade amorosa.    
Na prisão, o pastor Dietrich Bonhoeffer escreveu: “Descobrir a presença divina na pessoa de Jesus nos leva a uma reviravolta em nossas perspectivas humanas e de fé. Na vida de Jesus, o mais surpreendente é que ele se revelou como um ser humano que existe totalmente para o outro. Este “existir para o outro” é a forma de revelar que Deus é assim. A partir do Natal de Jesus, aquilo que se chamava “transcendência divina” ou “existência de Deus como Deus” passa a se revelar na alteridade. A partir de então, a nossa relação com Deus não se dá mais em primeiro lugar no culto ou na expressão religiosa e sim na descoberta do outro e na capacidade de viver para o outro, como Jesus viveu. Existir em função do outro é a forma do ser de Jesus e é o modo de estarmos com Jesus”. 
Se isso é verdade, então, nossas celebrações religiosas deveriam ser sacramentos no sentido de ensaios desta realidade nova que acontecerá progressivamente e de modo misterioso, com altos e baixos, mas através da presença divina em nós e da nossa adesão ao projeto divino de transformar o mundo. Uma antiga palavra atribuída a Jesus e não transcrita nos evangelhos escritos dizia: “A vida é como uma ponte a ser atravessada. O importante é que tu a atravesses sem se deter na travessia e não te fixes em nenhum momento particular. O importante é atravessar”.
Depois da luta de todo este ano, me encontro feliz de garantir uma saúde melhor do que no ano passado e a alegria de sentir que nossa amizade e diálogo estão cada vez mais fortes, como testemunho do carinho de Deus conosco. Na alegria de me sentir juntos com vocês nesta travessia, desejo-lhes um Natal renovador e fecundo. Feliz Natal!

O irmão de vocês, Marcelo Barros

*Monge Beneditino, hoje reside em Recife. Caminheiro do diálogo ecumênico e interreligioso. Autor do livro "A Noite do Maracá", entre outros títulos

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