sexta-feira, 6 de julho de 2012

Em busca de preservar a história (I)

Por Torquato Silva
"E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão"
( Sonho Impossível,Dom Quixote, Chico Buarque)


O Ponto Missionário da Liberdade está no ano em que faz maioridade, dezoito anos. Isso aconteceu no dia 10 de janeiro passado. São dezoito anos que essa comunidade busca viver a experiência de uma espaço livre, aberto para experimentar o melhor que o Cristianismo propõe. Um espaço de acolhimento às pessoas em sua pluralidade, no jeito de ser mais diverso. Desde sua origem, conta-se, o grupo que iniciou as atividades buscou aceitar  todas as pessoas como elas são, sem distinção nem discriminação de nenhuma natureza. Nutrindo o sentimento de Liberdade.




A história conta que um grupo de jovens foi quem tomou a iniciativa de criar esse espaço de oração e serviço missionário. Um grupo misto, de moças e rapazes, que não aceitando a imposição autoritária de suas respectivas Igrejas de origem, insatisfeito pela maneira autoritária como a liderança agia, reuniu-se para sonhar o possível: uma comunidade de fé que acolhesse as pessoas que vinham da experiência de luta por liberdade de expressão religiosa e de até poder tomar uma cerveja gelada, no bar da esquina, sem correr o risco de sofrer a fatídica exclusão do rol de membros. Disse que daí surge o nome: Liberdade!  
Outra característica das origens é o zelo pelo jeito de ser uma comunidade, essencialmente, anglicana.  Por isso a história, também, indica que o LOC – Livro de Oração Comum –, desde sempre, foi usado e respeitado como o livro referencial, o livro lido e vivenciado para dar o jeito de ser da comunidade, de uma Liturgia presente, de uma Comunhão celebrada com todas as pessoas. Uma comunidade que sempre vivenciou um serviço litúrgico forte, presente na oração comunitária, na busca de ser, desde o início, uma comunidade cristã de rito anglicano. Buscou-se, o que em nosso meio é chamado  de "o jeito de ser anglicano”. Os depoimentos de pessoas da época,  até de quem acompanhava o Ponto Missionário mesmo à distância, a respeito do crescimento e do fortalecimento da comunidade, dizem que quando se desejava viver uma Oração Eucarística mais próxima da fé anglicana por essas bandas de cá, da Região Metropolitana do Recife, podia-se ir até a Liberdade para vivenciar essa Oração. 
Tudo começou a partir do centro de Jaboatão Antigo. Já passou por vários imovéis alugados. E, hoje, tem casa própria no bairro de Santo Aleixo. No templo, pequeno, cabem 30 pessoas. Nas dependências temos um banheiro, uma sala ampla, cozinha e mais um espaço que, no futuro, servirá de mais duas salas de reuniões. Mas o que se faz para e com as pessoas do bairro ultrapassa os limites das paredes da casa. O tempo, dezoito anos. Pelo tempo já podia, para não dizer devia, ser uma Paróquia. Foi Missão um dia. Mas sua realidade mais fiel é de que, hoje, vivencia um estado de alerta missionário constante. 
As Celebrações são feitas aos sábados, sempre a partir das 18h, começando o encontro da gente. Sempre se acolhem bem as pessoas com um cafezinho, um chá, um cuscuz bem feito,  regado a manteiga e acompanhado por um bom ovo frito. Nesse momento, canta-se, louva-se a Deus em gratidão pelas muitas bençãos recebidas, lê-se a Bíblia de maneira popular e comunitária, partilham-se os sonhos e pedidos de oração a partir de uma Oração Vespertina feita com a comunidade que é composta por pessoas adultas, jovens, adolescentes e crianças. 
Um grupo de mulheres, acompanhado pela juventude, no domingo, participa do Elo, uma metodologia trazida lá das bandas de Caucaia-CE, onde nossa Igreja vive uma experiência radical de acolhimento e serviço a quem sofre. Esse grupo tem adotado uma família em situação real de risco e vulnerabilidade e com voluntariado no bairro procura atender as necessidades mais básicas e urgentes. Acompanha, essa família, com visitas de oração, partilha do pão, uma verdadeira Eucaristia feita no lar. Podemos falar ainda do Programa de Rádio que todos os sábados é apresentado pela Marli Alves Cardoso, irmã que se dedica como missionária. 
A juventude, um pequeno grupo de moças e rapazes, jovens e adolescentes, trabalha com dedicação no Monitoramento Jovem de Políticas Públicas - MJPOP Liberdade. Depois de um ano de diálogo com a Visão Mundial, se apropriando da  metodologia dessa ação comunitária, começaram a colocar em prática a busca por um mundo mais justo a partir do acompanhamento dos serviços que o Estado tem oferecido, ou deixa de oferecer, de maneira desrespeitosa ao bairro. Sendo, assim, essa juventude tem acompanhado, de perto, o Programa de Saúde da Família e mobilizado as pessoas que usam esse serviço para lutar e conquistar os direitos garantidos. E agora, nos últimos meses, com a ajuda da professora de Espanhol, Millena Reis, começamos um grupo de estudos de idiomas. 
O que se vive é a busca do Cristianismo prático participando, ativamente enquanto Igreja, das conferências livres da mulher, da pessoa idosa, de juventude, de encontros com a Secretaria de Serviço Social da cidade de Jaboatão dos Guararapes. Isto, seguindo a orientação do bispo quando escreve sobre "Diaconia Social da Igreja" (Texto 1; Texto 2), numa perspectiva bíblico-teológica e postura profética evangelizadora para os nossos dias. E inspirada, ainda, pelos processos de formação do Serviço Anglicano de Diaconia e Desenvolvimento - SADD, reconhece que se deve continuar vivendo a Missão local a partir das urgências encontradas pelas ruas do bairro. A meta dessa juventude é começar em breve a Pastoral Infantil. Já se está planejando as ações. 
Quando nos deparamos com as notícias veiculadas pelos sites, blogs, perfis, grupos de relacionamento de outras comunidades anglicanas espalhadas pelo Brasil, quando vemos o esforço da Comissão de Diaconia Social e Direitos Humanos da Diocese Anglicana do Recife, vê-se que estamos no Caminho, no mesmo Caminho de Jesus.  Em nossa Província encontramos varias Missões ocupadas com a situação de pessoas perseguidas e marginalizadas. A IEAB faz parte, ainda, do conselho administrativo-diretor da CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço, e da Diaconia. Mantém, a partir de nossas comunidades, projetos desenvolvidos com casas de apoio a pessoas que vivem e convivem com HIV-Aids, Casas de Acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica, Paróquias que trabalham com Pastoral da Terra, Pastoral indígena, Pastoral da Diversidade, Pastoral da Saúde, tendo como primeira inspiração Jesus. Depois o exemplo de nosso Primaz, dom Maurício Andrade, do nosso diocesano, Dom Sebastião e de outros bispos que conhecemos que são capazes de ir às ruas para lutar pela garantia dos Direitos Humanos. A exemplo disso, podemos citar a presença anglicana, nos últimos dias, no tão criticado Rio+20. Lá estiveram o secretário-geral da IEAB, Revdo. Arthur Cavalcante, Sandra Andrade, coordenadora do SADD e várias pessoas da Igreja. Além de seis jovens da Liberdade. Anos atrás, em Belém, o povo anglicano saiu saiu às ruas no Fórum Social Mundial, gritando pela cidade por justiça e igualdade. Se a gente tiver paciência e ler as notícias da última Conferência de Lambeth verá que todas as bispas e bispos do mundo foram para as ruas em forma de protesto, profetizando que a Igreja deve experimentar o sol, o calor e os calos nos pés na Caminhada que se faz com as pessoas encontradas e deixadas pelo Caminho.  



O Ponto Missionário da Liberdade, fiel às origens, continua ecumênico, respeitando e aceitando as pessoas como elas são. Sendo assim, essa mesma juventude provoca a comunidade local para viver uma experiência de diálogo com outros matizes de fé. Por várias vezes, participou de encontros de formação com adolescentes, jovens, moças e rapazes, de encontros espirituais e oração comum com pessoas de outras confissões e vivências religiosas. A partir da Rede Ecumênica de Juventude se vive o ethos anglicano que é de aceitação e de diálogo com as diferenças. As portas, dos corações e do pequeno templo, estão sempre abertas. 
O Ponto Missionário, é uma comunidade atenta ao que acontece pelas ruas do bairro de Santo Aleixo, dialogando, diariamente, com as juventudes, com o olhar atento às mulheres, às crianças e pessoas idosas. Seguindo o exemplo de Jesus, se espalha  por vários espaços públicos – escolas, praças, reuniões da União de Moradores, ruas, ladeiras, Posto de Saúde da Família, conversas pelas ruas – para se relacionar com as pessoas e, de maneira atenciosa, Caminhar o Caminho possível de uma experiência místico-espiritual que transforme a realidade de nossa gente mais carente, não com promessas mágicas de milagres sobrenaturais – afirmamos: cremos que Deus pode tudo e todas as coisas, assim como professamos no Credo – mas, por uma ação contínua, coletiva e missionária em que as pessoas possam vivenciar as transformações do bairro, da cidade, lutando pelos direitos inerentes a humanidade de cada qual de nós, das pessoas excluídas e marginalizadas. 
Hoje, o tempo, o Caminho, as pessoas, as ruas, as vielas, os morros, os ideais, os sonhos, possíveis e impossíveis, as crianças, a casa, a mesa, a vida, Jesus nos anima a Caminhar. Desrespeita-seaté o trabalho que vários movimentos e organizações sociais realizam numa perspectiva nitidamente cristã, mais até do que muitas comunidades que se dizem evangélicas  o que seria hoje a fé encarnada em obras numa sociedade na qual a salvação só tem real sentido s assume o caráter de libertação de todas as opressões?
O que anima nossa gente é a aceitação e o reconhecimento do povo, das pessoas do bairro que conhecendo e reconhecendo a seriedade do trabalho, proposto e vivido, apoiam e oram por nosso jeito de viver a experiência de estar com elas mesmas, pelas suas casas, partilhando conosco suas vidas e sonhos.
Atualmente, temos uma equipe pastoral dirigida pelo Bispo, Dom Sebastião Armando, pároco da comunidade, a irmã Marli Cardoso, como missionária entre as mulheres, Julie Carla e Tathy Cosme, como coordenadoras das ações com a Juventude, Dona Walkiria Rodrigues como tesoureira e cuidadora da casa e eu Izaías, como ministro pastoral auxiliar. E, agora, estamos contando com a presença agradável de Bernardo, Aline Guedes e Esdras Peixoto, como família missionária. 
Neste tempo de maioridade, não nos exigimos maturidade ou ferrenha adultez. Isso chega com o tempo, naturalmente. Queremos manter a mesma essência de nossas raízes, sonhar os sonhos impossíveis para ver brotar, como flor no impossível chão de nossas vidas, a Liberdade.  Que Deus, sua plena bondade Materno-Paternal continue nos acolhendo e apoiando na Missão.
Sabemos que não é fácil, nem muito comum compreender a Igreja assim. Igreja só de reza facilmente se reconhece como igreja e até se elogia. Igreja pequena que ora e celebra, mas no propósito de Caminhar com o povo do bairro, interrogando-se pelos problemas do povo, participando junto nas pequenas lutas (Associação de moradia, saúde, poluição, direito à cidade, juventudes excluídas, etc), e, assim, educando-se para compreender o Evangelho e a comunidade cristã, é fácil e, se não fosse superficialidade, seria calúnia acusá-la de simples ONG. 
Que a Divindade, que é Mãe e Pai de nossas vidas, nos ajude na Caminhada. 

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