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Izaias Torquato teólogo e ministro pastoral da Liberdade |
“Ora,
o Senhor é Espírito; e onde está o Espírito do Senhor, aí há
liberdade.” (2 Coríntios 3.17)
Gente
querida da Liberdade,
Estamos
vivendo um momento muito especial em nossa comunidade. Um momento
importante para nossa Caminhada e para a realização de sonhos em
busca de alcançar nossos ideais. Mas, ao mesmo tempo, um momento
delicado e desafiador. Temos que lidar, diariamente, com nossas
limitações financeiras e de relacionamento pessoal. Há o desafio
de fazer valer nosso esforço de implantar uma comunidade de fé,
genuinamente anglicana, consciente do que quer e do que busca alcançar.
Sabemos
que somos poucas pessoas. Das ligadas a nós, são umas vinte e
cinco. De quem frequenta, podemos contar com, no máximo, dez. E olhe
lá. De quem participa, diretamente, de avaliações, planejamentos
e, o mais importante, da execução das nossas ações, podemos
contar com a metade de nosso povo. Em nossas reuniões de oração, e
isso faz tempo, posso dizer até que desde que cheguei por aqui,
muitas vezes contamos com o número expressivo de três pessoas. É
quase uma equação matemática. O que alegra e anima é que as
nossas ações podem alcançar algumas centenas de pessoas no bairro.
E muita gente fora daqui, da cidade, do mundo, pelo fenômeno da
internet, febre do momento.
Confesso
que tenho parado para silenciar, orar e refletir nas iniciativas
enquanto ministro pastoral local, sendo alguém que facilita a nossa
relação e que busca orientar nossa gente, localmente, a se
aproximar de Deus pelo zelo na Liturgia – Serviço -, pela reflexão
necessária e urgente sobre a relação com as instâncias públicas
do bairro, movimentos e organizações sociais e com as instâncias
do governo municipal: legislativo e executivo. Se não temos acesso
diretamente a essas instâncias, pelo menos nos animamos a
reivindicar esses espaços e animar pessoas a refletir nossas
realidades enquanto sociedade civil. Particularmente, tenho cometido
erros, não sei se poucos ou muitos, mas sei que significativos. Ao
mesmo tempo identifico dificuldade na compreensão daquilo que
proponho para nossa Caminhada de fé. Tento ser fiel às origens, à
história de jovens que assim como nós, sonharam ser pessoas livres
a partir da prática da fé comum em torno de uma Missão
libertadora. Aquele grupo do início sonhou com pessoas que
estivessem dispostas a uma vivência religiosa inclusiva, ecumênica,
plural, acolhedora e diversa, nas suas muitas formas de pensar e
agir. Tenho como base o colorido de quem sonhou no início com o que
vivemos hoje e lutamos para realizar em nosso tempo. Aquela
gente permaneceu ao longo do tempo e continua conosco fazendo parte
de nossa memória. E, claro, nos animando na Caminhada. E é uma
questão ética manter essa memória viva e ativa entre nós: alguém
veio antes de nós e plantou a semente em tempos passados. Só pra
gente ter uma ideia, agora em janeiro fizemos 18 anos de existência.
Quantas pessoas passaram por nós e cuidaram, com o mesmo amor e
carinho, da LIBERDADE!
Quem
conosco caminha sabe que queremos criar um grupo de pessoas que
participem, opinem, critiquem, divirjam, mas que antes de tudo se
disponham a amar, respeitar e que se queiram bem. Por isso, buscamos
viver uma liderança, ou um jeito de liderar, horizontal, circular e
partilhada. Dom Sebastião, nosso bispo e pároco, escreve a respeito
numa de suas Cartas Pastorais sobre “Autoridade Partilhada”.
Sempre lembro desse texto quando penso nesses assuntos.
Buscamos
construir coletivamente – coletivo – a nossa Caminhada local
baseados nos “princípios” de uma pastoral comunitária e
popular, na perspectiva de uma teologia libertadora, na prática
pastoral comunitária que Caminha, que busca ser Caminhante, que
busca agir concretamente na vida que pulsa pelas ruas do bairro de
Santo Aleixo. Sendo assim, acredito que devemos nos emocionar mais
com as pessoas que morrem vítimas do alcoolismo e das drogas, que
morrem vítimas da violência urbana, das pessoas que morrem por
suicídio em nosso bairro, do que com cultos de “louvor” a Deus,
cheio de cânticos emocionantes cantados por pessoas emocionadas,
como vendo frequentemente por aí afora. Sabemos que isso é
importante, mas não é tudo nem tudo resolve em nosso caso. Também
não podemos ir para o outro extremo de um culto “frio” e
insensível às emoções. Ou, viver no ativismo
“socialesco” de uma prática rasteira, imediatista e superficial,
numa perspectiva política fragilizada que não seja capaz de vencer
o tempo e sobreviver a ele. Corremos o risco de um dia ser lembrança de um tempo bom que passou e não volta mais. Até porque
isso também se confunde com ativismo religioso que ajuda até a
pensar que estamos fazendo algo melhor que as outras Igrejas só pelo
fato de sermos mais antenados com as coisas deste mundo e do nosso
tempo. Mas que, no fundo, não passa de um movimento que morrerá por
si mesmo.
Como
serviço cristão, prática diaconal, optamos por alcançar as
famílias pelo contato direto com as juventudes do bairro. Isso
requer muita paciência e confiança. Relação criada no Caminho.
Quantas vezes nos sentamos à beira da estrada para conversar com o
povo no meio da rua? Ou fomos às casas partilhar o velho e bom
cuscuz com ovo com um cafezinho passado na hora? Isso deve voltar a
acontecer com mais frequência. Nossas relações comunitárias e
públicas devem voltar a fazer parte de nossa Caminhada de fé e
partilhar nossa fé em Jesus.
O
nosso nome nos inspira e desafia: LIBERDADE. Liberdade de
consciência, de expressão, liberdade que respeita a condição real
das pessoas, inclusive sua orientação religiosa e sexual. Jesus
aparece nos Evangelhos acolhendo todas as pessoas sem preconceitos ou
exclusões. Mas trabalhar com o conceito tão subjetivo do que seja
LIBERDADE não é fácil. Para LIBERDADE Jesus nos convida: “vocês
são livres, eu liberto vocês!”. Quando Ele perdoava pecados é
como se dissesse: “Vá viver sua vida de maneira livre, não se
submeta a esse jugo. Isso cansa. Vá simbora viver!” No entanto,
como não sabemos lidar com a LIBERDADE, nem nos garantimos o direito
de ser livres, muitas vezes a gente se atropela e atropela quem passa
pela frente. Não tivemos educação para vivenciar, plenamente, a
LIBERDADE. Tanto que muitos de nós vive numa prisão existencial de
medo, angústia, ansiedade e desconfiança. Assim, precisamos
afirmar, e viver reafirmando, nossa busca por ser livres. É uma luta
diária contra a opressão. A pastoral que fazemos, o Ponto
Missionário da LIBERDADE, busca vivenciar uma pastoral contra o
PRECONCEITO. Entendendo, ou buscando entender que tudo é uma questão
de respeitar o tempo e exercitar a paciência. E de LIBERDADE,
sobretudo, porque é o que nos move, ou tem movido a humanidade
“desde os primórdios até hoje em dia”. Tanto por parte de quem
oprime, e que por isso busca manter a opressão. Quanto de quem busca
vivenciar uma sociedade livre das amarras convencionais.
(Permitam-me: Que saudade de ouvir e dançar ao som de Raul Seixas:
Viva a sociedade alternativa! Raul que foi um profeta pouco
compreendido). Então, qual a melhor forma de conquistar e garantir o
direito à LIBERDADE? Temos que descobrir caminhando. Até porque,
mesmo com toda essa reflexão, podemos estar em nossos espaços de
atuação, fortalecendo atitudes opressoras. Dessa forma, penso que o
melhor é se auto-avaliar. Humildemente, sentar e refletir: como
estou andando e vivendo? Qual é a prioridade de fato? O que, de
fato, tenho proposto para o grupo? Qual é mesmo a minha prioridade:
um projeto pessoal beirando o egoísmo “teológico-lóide”? Ou um
projeto coletivo que requer Caminho e Caminhada, tempo e espera
caminhante? Claro que a essa altura devemos refletir sobre HUMILDADE.
E me vejo a vontade para ler um teólogo chamado Schettini que disse:
“Quem somos nós para saber o que é melhor para todos quando,
quase sempre, nem sequer sabemos o que é melhor para nós mesmos? Às
vezes é preciso chegar ao último momento da vida para perceber os
desCAMINHOS por onde andamos boa parte da existência. Provavelmente
nos tenha faltado sensibilidade e, sobretudo, HUMILDADE. Não é sem
propósito que a palavra HUMILDADE tem a sua raiz etimológica na
palavra latina “humus”, que significa Terra. AO INVÉS DE NOS
ELEVARMOS ÀS ALTURAS, DEVERÍAMOS NOS BAIXAR À SIMPLICIDADE DA
TERRA.” (Schettini, 2002: 63).
Recebemos
o convite para a festa. O salmo convida a celebrar, a cantar. A
diversidade dos dons garante um colorido melhor à reunião de quem
crê e se junta para celebrar a fé em Deus, no mundo e nas pessoas.
Isso é festa, é alegria! O Evangelho confirma que Jesus é festivo.
Se fosse um ser que não gostasse de festa não participaria e
distribuiria vinho de qualidade no final para que tudo recomeçasse e
a festa continuasse. Mas devemos lembrar quem Celebrar também nos
leva a chorar em comunhão e união. Temos que partilhar cálices, o
da alegria do encontro, da festa, da união. Mas também o cálice do
desafio da convivência e das diferenças respeitadas, das dores do
choque de culturas pessoais, e, ao mesmo tempo, o cálice da
lembrança do sofrimento da escravidão que nossa gente vive
diariamente ao longo dos anos.
Por
isso, finalmente, eu convoco a nós mesmos, a mim particularmente, a
manter a atenção no que é urgente. A viver com atenção redobrada
a nossa gente mártir e sofredora espalhada por todos os cantos de
Santo Aleixo e de Jaboatão dos Guararapes. Viver a LIBERDADE é um
desafio que nos é possível alcançar. Por isso nós dançamos
cantando: “Irá chegar um novo dia, um novo céu, uma nova Terra,
um novo mar. E nesse dia os oprimidos numa só voz a LIBERDADE irão
cantar”. (Zé Vicente)
Amém
e que Deus continue a nos ajudar.
SCHETTINNI F. Luiz. A coragem de conviver: uma forma de organizar as relações interpessoais. Petrópolis. Editora Vozes 2002
SCHETTINNI F. Luiz. A coragem de conviver: uma forma de organizar as relações interpessoais. Petrópolis. Editora Vozes 2002
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